sábado, 30 de dezembro de 2017

‘Retrospectiva 2018’



O que aconteceu na economia no ano que vai começar, com a esperança de que, com a legitimidade das urnas, se alcance consenso mínimo na sociedade

Um ano que começou mais tarde e acabou mais cedo. Essa foi a marca característica de 2018, na economia brasileira. Demorou para começar porque as incertezas em relação ao cenário das eleições presidenciais só começaram a ser desfeitas no segundo trimestre do ano. E terminou mais cedo porque, com a definição do novo governo, os programas e projetos do eleito passaram, já na entrada de novembro, a ditar os rumos econômicos em 2019.
As incertezas, principalmente fiscais e políticas, dominantes em 2017, transbordaram para 2018, contribuindo para adiar decisões de investimento e manter moderado o passo da recuperação econômica. Em outras palavras, 2018 foi um período de transição de uma economia ainda convalescente de longa e profunda recessão.
Bem próximo da mediana das estimativas, o PIB avançou 2,9% sobre 2017. Metade dessa evolução se deveu ao carregamento estatístico vindo do final de 2017 e aos estoques acumulados ao longo do ano. Pode-se dizer, por isso, que a atividade econômica reagiu mais por inércia do que em razão de novos estímulos.
O fato de não ter sido registrada ocupação mais acelerada da capacidade instalada corrobora essa observação.
Também a inflação, medida pelo IPCA, que bateu em 4,2%, ainda abaixo do centro da meta, ficou dentro das previsões, assim como a taxa Selic, que fechou o ano em 6,75%, depois de ter chegado ao mínimo histórico de 6,5%, no primeiro trimestre.
A ligeira alta da taxa básica, já no terceiro trimestre, refletiu movimentação mais volátil da cotação do dólar, causada principalmente pelos vaivéns do processo eleitoral, mas em parte também pelo “efeito aspirador” da liquidez financeira global para o mercado americano, depois do corte de impostos corporativos nos Estados Unidos.
Com dificuldades para progredir na área fiscal, em razão de limitações políticas em ano de grandes incertezas eleitorais, o Banco Central teve de se desdobrar em 2018 na tarefa de estimular a atividade. Seu trabalho foi manter a taxa básica em terreno “estimulativo” e administrar momentos de pressão adversa no mercado cambial, que terminou o ano com a cotação do dólar a R$ 3,50, embora tenha ultrapassado esse limite em algumas ocasiões, no segundo semestre.
Para isso, o BC contou com um robusto nível de reservas equivalente a 20% do PIB e com mais um ano de bom desempenho do setor externo, mesmo que o déficit em transações correntes, ainda confortável no nível de 1,5% do PIB, tenha sido o dobro do registrado em 2017.
Alguns fatores excepcionalmente favoráveis do ano anterior não se repetiram em 2018, o que ajudou a manter morno o ritmo de recuperação da economia, embora não a ponto de reverter a tendência positiva. Um deles, já mencionado, foi o setor externo.
Outro, a agropecuária. A excepcional expansão de 30% da safra em 2017 não só respondeu pela base do crescimento econômico daquele ano — sem ela, a expansão de 1% do PIB não passaria de 0,4% —, como está no centro das causas que explicam a inflação, inferior ao piso de 3% do intervalo de tolerância do sistema de metas — o item alimentos no domicílio recuou mais de 4% em 2017 e subiu perto de 5% em 2018.
Passado o turbulento 2018, sem avanços econômicos excepcionais, mas também sem perdas significativas na economia, era possível reunir perspectivas positivas para 2019. A necessidade da adoção de um programa de ajuste ao mesmo tempo economicamente eficiente e socialmente justo ficou evidente durante a campanha eleitoral.
Com a legimitidade assegurada pelas urnas, a esperança é a de que se abram espaços para a pacificação das forças políticas ativas da sociedade e para a obtenção de um consenso mínimo em relação às correções dos desequilíbrios que têm barrado o potencial de crescimento consistente da economia.
Esta “Retrospectiva 2018”, entre aspas, é um exercício por natureza otimista, mas não inteiramente irrealista, do que pode acontecer no ano que vai começar, a partir da mediana das projeções conhecidas. Traz com ela a esperança de que nossos melhores sonhos se realizem no novo ano. Um muito bom 2018 a todos!

Por José Paulo Kupfer, O Globo


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