- De hegemonia na América Latina a fantasma a ser espantado, como se deu o declínio dos governos ditos progressistas -
No fim da década de 1990 e início dos anos 2000, como contraponto ao modelo neoliberal implantado em vários países da América Latina, como Chile, Brasil e Argentina, os governos de esquerda começaram a ganhar força na região. Foram eleitos Hugo Chávez (Venezuela), Lula (Brasil), Nestor Kirchner (Argentina), Manuel Zelaya (Honduras), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Tabaré Vázquez e depois Pepe Mujica (Uruguai). Começavam, assim, os anos de ouro dos governos populares ditos progressistas, favorecidos pelo boom dos preços das commodities. Atualmente, no entanto, o pêndulo tem retornado à direita.
De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as economias latino-americanas cresceram, entre 2003 e 2012, acima de 4%. Desde os anos 1960, a região não registrou um período tão intenso de crescimento. De 2002 a 2012, os níveis de pobreza caíram de 44% para 29%, e os de pobreza extrema, de 19,5% para 11,5%, segundo o jornal El País. O nível de escolarização inicial, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), foi de 55% a 75% no período de 1999 a 2011. O povo começou a receber atenção, a ter uma inclusão maior não só no âmbito social, como no consumo também. No Brasil, um dos trunfos do Lulismo, como é denominado o regime do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi aumentar o poder de compra, fazer a economia girar com a população mais pobre sendo ativa no mercado.
Cuba, país socialista desde 1959, quando destituiu o ditador Fulgencio Batista do poder, teve avanços impressionantes em saúde pública, educação básica, segurança e igualdade social. Segundo relatório do Estado Mundial da Infância do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Cuba alcançou, em 2015, uma taxa de mortalidade infantil abaixo de 5 por 1.000 nascidos, dado que, na época, colocou o país entre os 40 primeiros países do mundo. O país foi, ainda, pioneiro ao eliminar a transmissão materno-infantil de HIV, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com a CIA World Factbook – publicação anual da Central de Inteligência Americana contendo informações sobre países no mundo – Cuba alcançou, também em 2015, um índice de alfabetização de 99,8%.
Entretanto, devido à ineficiência de planejamento de governo, contando apenas com os preços das commodities, assim como excesso de corrupção, os governos de esquerda começaram a entrar em declínio. Entre 2011 e 2015, a queda dos preços dos metais e da energia (petróleo, gás e carvão) foi de quase 50%, segundo a CEPAL. Só em 2015, os produtos energéticos caíram 24%. Dados da CEPAL também mostram um aumento da pobreza nos últimos anos da hegemonia da esquerda nas Américas. Segundo a Comissão, houve um aumento da pobreza em 2015, que afetou 175 milhões de pessoas, 7 milhões de cidadãos a mais que os 168 milhões registrados em 2014. Desse total, é estimado que 75 milhões vivam em situação de miséria, número 5 milhões maior que o registrado no ano anterior (Rolling Stone Brasil).
Para o cientista político Roberto Lasema, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (CERES), os eleitores passaram a ver no pragmatismo, mais uma vez, uma saída para as crises que se alastraram. “É verdade que os governos populistas foram favorecidos pela alta no preço das commodities, mas não pensaram em políticas de longo prazo. Os governos tidos conservadores são, na verdade, mais pragmáticos e o eleitor quer que o pragmatismo gere oportunidades de emprego e melhorias econômicas em suas vidas”, afirma.
Resta, então, analisar o processo de retomada “à direita”, não só na América Latina, mas como um processo global. De acordo com o professor Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em entrevista para a Rolling Stone Brasil, o processo de ascensão da esquerda na América foi atípico: “A esquerda vive uma crise mundial desde a queda da União Soviética, mas nos últimos 10, 15 anos houve uma ascensão na América Latina – de certa forma, como um contraponto ao que vinha ocorrendo no resto do mundo, caso da crise da social democracia na Europa, por exemplo”. Essa mudança de paradigma seria, então, por conta de uma retomada de força da direita? Um processo cíclico do mundo entre os dois polos? Ou, por que não, um processo gerado pela decomposição dos partidos e movimentos de esquerda?
O Brasil vive em crise desde 2013, com o Partido dos Trabalhadores (PT) tendo ficado no poder por 14 anos, e encerrando-se com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e a ascensão ao poder de Michel Temer. O empresário Mauricio Macri assumiu na Argentina após 12 anos de kirchnerismo. O chavismo conheceu seu primeiro revés eleitoral em 16 anos, no ano de 2015, quando a oposição conseguiu maioria nas eleições parlamentares. Bogotá teve a eleição do estadunidense Enrique Peñalosa como prefeito, após 12 anos da esquerda à frente. O Paraguai teve a eleição do empresário Horacio Cartes. Pedro Pablo Kuczynski no Peru e, por fim, Michelle Bachelet deixará o poder no Chile em 2018.
Para a historiadora e professora da Universidad de La Habana, Maria Caridad Pacheco, no entanto, o processo de progressão da direita não será definitivo, tampouco duradouro. “Em algum momento o povo retomará o caminho para as mobilizações. Eu tenho fé no processo como um todo. Já está se revertendo.” Para ela, a unidade do povo é determinante para o processo de tomada do poder. Com a vivência do socialismo cubano e conhecedora da derrota na revolução que antecedeu a derrubada do ditador cubano e a ascensão de Fidel Castro, Caridad afirma que o período que os governos de esquerda passaram no poder na América não será em vão. “Sempre o que avança se impõe. Sempre o que o povo quer se impõe também”, afirmou.
Notavelmente, o povo não escolhe um posicionamento político a que se ater. Se o governo atual não está respondendo de forma suficiente as pretensões populares, muda-se o governo. Isso é reflexo tanto da exigência maior da população, quanto de um processo de flexibilização e, por que não, da liquidez do mundo moderno. A exigência maior da população pode significar uma melhora da democracia, sem governos ditatoriais, por mais tentadora que seja a opção. O boliviano Evo Morales, por exemplo, tem boa avaliação, poderia ganhar as eleições, mas teve a hipótese de mais uma reeleição rechaçada pela população, com 51,3% dos votos.
O povo se vê contrário aos governos de semelhança ditatorial, mas ainda assim retoma planos neoliberais que já provaram sua ineficácia. O conservadorismo crescente não é do governo, mas do povo. As incertezas de uma modernidade tão volátil afloram os instintos de auto preservação ao optar por aquilo que já é conhecido, ainda que tenha sido fracassado. Uma possível reeleição de Lula, nas eleições presidenciais de 2018, inclusive poderia figurar como um exemplo de conservadorismo. A ideia de que a esquerda seria progressista e a direita conservadora caiu por terra.
Os problemas enfrentados pela esquerda, com a corrupção e a insatisfação com a falta de retorno das expectativas aplicadas, precisa acontecer agora também com esse retorno aos governos de direita. A democracia precisa se fazer valer com a transparência dos governos e com a troca geracional. É inevitável que a possibilidade de uma outra retomada à esquerda aconteça em um futuro próximo como um movimento pendular. Mas os tempos são demasiado incertos para se fazer alguma previsão precisa. A verdade, no entanto, configura o fato de que o povo, no fim, deverá ser responsável pelos rumos de sua própria política.
Por: Daniel Boechat
Foto: Livio Burtscher
No fim da década de 1990 e início dos anos 2000, como contraponto ao modelo neoliberal implantado em vários países da América Latina, como Chile, Brasil e Argentina, os governos de esquerda começaram a ganhar força na região. Foram eleitos Hugo Chávez (Venezuela), Lula (Brasil), Nestor Kirchner (Argentina), Manuel Zelaya (Honduras), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador), Fernando Lugo (Paraguai) e Tabaré Vázquez e depois Pepe Mujica (Uruguai). Começavam, assim, os anos de ouro dos governos populares ditos progressistas, favorecidos pelo boom dos preços das commodities. Atualmente, no entanto, o pêndulo tem retornado à direita.
De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), as economias latino-americanas cresceram, entre 2003 e 2012, acima de 4%. Desde os anos 1960, a região não registrou um período tão intenso de crescimento. De 2002 a 2012, os níveis de pobreza caíram de 44% para 29%, e os de pobreza extrema, de 19,5% para 11,5%, segundo o jornal El País. O nível de escolarização inicial, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), foi de 55% a 75% no período de 1999 a 2011. O povo começou a receber atenção, a ter uma inclusão maior não só no âmbito social, como no consumo também. No Brasil, um dos trunfos do Lulismo, como é denominado o regime do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi aumentar o poder de compra, fazer a economia girar com a população mais pobre sendo ativa no mercado.
Cuba, país socialista desde 1959, quando destituiu o ditador Fulgencio Batista do poder, teve avanços impressionantes em saúde pública, educação básica, segurança e igualdade social. Segundo relatório do Estado Mundial da Infância do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), Cuba alcançou, em 2015, uma taxa de mortalidade infantil abaixo de 5 por 1.000 nascidos, dado que, na época, colocou o país entre os 40 primeiros países do mundo. O país foi, ainda, pioneiro ao eliminar a transmissão materno-infantil de HIV, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). De acordo com a CIA World Factbook – publicação anual da Central de Inteligência Americana contendo informações sobre países no mundo – Cuba alcançou, também em 2015, um índice de alfabetização de 99,8%.
Entretanto, devido à ineficiência de planejamento de governo, contando apenas com os preços das commodities, assim como excesso de corrupção, os governos de esquerda começaram a entrar em declínio. Entre 2011 e 2015, a queda dos preços dos metais e da energia (petróleo, gás e carvão) foi de quase 50%, segundo a CEPAL. Só em 2015, os produtos energéticos caíram 24%. Dados da CEPAL também mostram um aumento da pobreza nos últimos anos da hegemonia da esquerda nas Américas. Segundo a Comissão, houve um aumento da pobreza em 2015, que afetou 175 milhões de pessoas, 7 milhões de cidadãos a mais que os 168 milhões registrados em 2014. Desse total, é estimado que 75 milhões vivam em situação de miséria, número 5 milhões maior que o registrado no ano anterior (Rolling Stone Brasil).
Para o cientista político Roberto Lasema, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (CERES), os eleitores passaram a ver no pragmatismo, mais uma vez, uma saída para as crises que se alastraram. “É verdade que os governos populistas foram favorecidos pela alta no preço das commodities, mas não pensaram em políticas de longo prazo. Os governos tidos conservadores são, na verdade, mais pragmáticos e o eleitor quer que o pragmatismo gere oportunidades de emprego e melhorias econômicas em suas vidas”, afirma.
Resta, então, analisar o processo de retomada “à direita”, não só na América Latina, mas como um processo global. De acordo com o professor Aldo Fornazieri, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), em entrevista para a Rolling Stone Brasil, o processo de ascensão da esquerda na América foi atípico: “A esquerda vive uma crise mundial desde a queda da União Soviética, mas nos últimos 10, 15 anos houve uma ascensão na América Latina – de certa forma, como um contraponto ao que vinha ocorrendo no resto do mundo, caso da crise da social democracia na Europa, por exemplo”. Essa mudança de paradigma seria, então, por conta de uma retomada de força da direita? Um processo cíclico do mundo entre os dois polos? Ou, por que não, um processo gerado pela decomposição dos partidos e movimentos de esquerda?
O Brasil vive em crise desde 2013, com o Partido dos Trabalhadores (PT) tendo ficado no poder por 14 anos, e encerrando-se com o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff e a ascensão ao poder de Michel Temer. O empresário Mauricio Macri assumiu na Argentina após 12 anos de kirchnerismo. O chavismo conheceu seu primeiro revés eleitoral em 16 anos, no ano de 2015, quando a oposição conseguiu maioria nas eleições parlamentares. Bogotá teve a eleição do estadunidense Enrique Peñalosa como prefeito, após 12 anos da esquerda à frente. O Paraguai teve a eleição do empresário Horacio Cartes. Pedro Pablo Kuczynski no Peru e, por fim, Michelle Bachelet deixará o poder no Chile em 2018.
Para a historiadora e professora da Universidad de La Habana, Maria Caridad Pacheco, no entanto, o processo de progressão da direita não será definitivo, tampouco duradouro. “Em algum momento o povo retomará o caminho para as mobilizações. Eu tenho fé no processo como um todo. Já está se revertendo.” Para ela, a unidade do povo é determinante para o processo de tomada do poder. Com a vivência do socialismo cubano e conhecedora da derrota na revolução que antecedeu a derrubada do ditador cubano e a ascensão de Fidel Castro, Caridad afirma que o período que os governos de esquerda passaram no poder na América não será em vão. “Sempre o que avança se impõe. Sempre o que o povo quer se impõe também”, afirmou.
Notavelmente, o povo não escolhe um posicionamento político a que se ater. Se o governo atual não está respondendo de forma suficiente as pretensões populares, muda-se o governo. Isso é reflexo tanto da exigência maior da população, quanto de um processo de flexibilização e, por que não, da liquidez do mundo moderno. A exigência maior da população pode significar uma melhora da democracia, sem governos ditatoriais, por mais tentadora que seja a opção. O boliviano Evo Morales, por exemplo, tem boa avaliação, poderia ganhar as eleições, mas teve a hipótese de mais uma reeleição rechaçada pela população, com 51,3% dos votos.
O povo se vê contrário aos governos de semelhança ditatorial, mas ainda assim retoma planos neoliberais que já provaram sua ineficácia. O conservadorismo crescente não é do governo, mas do povo. As incertezas de uma modernidade tão volátil afloram os instintos de auto preservação ao optar por aquilo que já é conhecido, ainda que tenha sido fracassado. Uma possível reeleição de Lula, nas eleições presidenciais de 2018, inclusive poderia figurar como um exemplo de conservadorismo. A ideia de que a esquerda seria progressista e a direita conservadora caiu por terra.
Os problemas enfrentados pela esquerda, com a corrupção e a insatisfação com a falta de retorno das expectativas aplicadas, precisa acontecer agora também com esse retorno aos governos de direita. A democracia precisa se fazer valer com a transparência dos governos e com a troca geracional. É inevitável que a possibilidade de uma outra retomada à esquerda aconteça em um futuro próximo como um movimento pendular. Mas os tempos são demasiado incertos para se fazer alguma previsão precisa. A verdade, no entanto, configura o fato de que o povo, no fim, deverá ser responsável pelos rumos de sua própria política.
Por: Daniel Boechat
Foto: Livio Burtscher
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