terça-feira, 11 de agosto de 2020

20 ANOS: O “GRITO DE ALERTA” QUE VEIO DO NORDESTE


                              
Num momento em que a vida das pessoas perdeu a importância no Brasil, em função de um governo desastroso e autoritário, que se não bastasse a sua atuação criminosa no combate a pandemia, está promovendo e estimulando o fim do mecanismo mais vitorioso que já tivemos no que se refere ao combate da corrupção, que incentiva a destruição da Amazônia e não dá valor algum ao meio ambiente e praticamente “sepultou” a cultura, além de incentivar a discórdia e o ódio entre a população, o nosso pensamento se dirige a uma soberba criação de Zé Ramalho que apesar de ter sido lançada há 20 anos, reflete com exatidão todo esse sentimento de abandono, de desrespeito e atraso que cerca o nosso País...Falo do disco “Nação Nordestina” que é o décimo quarto trabalho do cantor e compositor Zé Ramalho, lançado em 2000. A capa do álbum é uma homenagem a “capa do lendário” álbum Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Trata-se de obra conceitual que conta a história de um viajante que percorre todo o Nordeste do Brasil.[1]
O autor de ‘Avôhai’ simplesmente produziu um dos seus melhores trabalhos.Lançados há exatos 20 anos em CD duplo pela extinta BMG e nunca editado em LP, Nação Nordestina é um mergulho profundo nas raízes do cantor e compositor de Brejo do Cruz, inaugurando uma fase na discografia de Zé Ramalho não autoral, em que ele relê, à sua maneira, obras de Raul Seixas, Bob Dylan, Jackson do Pandeiro, Luiz Gonzaga e até dos próprios Beatles, cujo Sgt. Peppers serviu de inspiração para o projeto gráfico do disco.
Nação Nordestina é um reencontro de Zé com os seus pares, 25 anos depois de ter deixado a Paraíba e alcançado o estrelato. Nesse mergulho, ele encontra obras dos conterrâneos Geraldo Vandré (‘Pra não dizer que não falei das flores’), Fuba e Braulio Tavares (‘Temporal’), Pedro Osmar e Jaiel de Assis (‘Beijo-morte-beijo’), Vital Farias (‘Bandeira desfraldada’), Cecéu (‘Paraí-ba’) e Oliveira de Panelas (‘Esses discos voadores me preocupam demais’).
Também dá voz a obras de Gilberto Gil (‘Lamento sertanejo’, em parceria com Dominguinhos), Petrúcio Amorim (‘Meninos do Sertão’, com Maciel Melo) e Edgard Ferreira (‘Ele disse’), além de emplacar seis músicas próprias, que costuram com as demais um retrato valente, político e social do Nordeste que deu ao mundo essa constelação notável.
Não por acaso, muitas das letras, como ‘O meu país’, seguem atualíssimas, infelizmente: “Um país que perdeu a identidade / Sepultou o idioma português / Aprendeu a falar pornofonês / Aderindo à global vulgaridade / Um país que não tem capacidade / De saber o que pensa e o que diz / Que não pode esconder a cicatriz / De um povo de bem que vive mal / Pode ser o país do carnaval / Mas não é com certeza o meu país…” diz um trecho.
O tom político segue em “Ele disse”, que Jackson do Pandeiro lançou em 1958. Com letra inspirada em carta-testamento de Getúlio Vargas antes de seu suicídio, quatro anos antes, foi escrita por Edgar Ferreira, sindicalista militante e getulista de carteirinha, segundo anotações de Fernando Moura e Antônio Vicente Filho em Jackson do Pandeiro - O Rei do Ritmo. A inclusão da faixa no projeto de Zé Ramalho, segundo Assis Ângelo no comentário faixa-a-faixa que acompanha o CD, “demonstra, para surpresa geral, o respeito e a admiração até então insuspeitos nutridos por um político que soube administrar a coisa pública com brio e exatidão, em prol dos carentes”.
O tom político é permeado pela condição do nordestino raíz. ‘Seres alados’, da lavra de inéditas autorais de Zé, é um contraponto à ‘Lamento sertanejo’ (“Eu quase não falo / Eu quase não sei de nada…”) quando ele canta “Não mais estaremos calados / Como seres alados / Que voam em silêncio”. “(A letra aborda) o sonho do fim da submissão, do jugo, da opressão”, comentou Ângelo. Um dos clássicos de Luiz Gonzaga (em parceria com Guio de Moraes), 'Pau-de-arara' também envereda pela condição do sertanejo, mas do sertanejo vitorioso, que alcança uma condição superior depois de amargar uma sofrida caminhada ("Só trazia a coragem e a cara / Viajando num pau-de-arara / Eu penei, mas aqui cheguei). É a história de muitos nordestinos, e de Zé Ramalho também.
O CD 2 incorpora diversos convidados - todos nordestinos, diga-se de passagem - nesta jornada pelo região. Hermeto Pascoal acompanha Zé Ramalho é uma rara composição instrumental do paraibano (‘Violando com Hermeto’). Elba acompanha o primo em ‘Bandeira desfraldada’, enquanto Ivete Sangalo e Fagner fazem dueto com o anfritrião em ‘Amar quem eu já amei’ e ‘Garrote ferido’, respectivamente.
Flávio José e a banda Cascabulho encerram o elenco. O primeiro, entoando os versos “Pê-a-pá / Erre-a-ra-í / Bê-a-bá / Paraíba’, que Cecéu compôs em 1979 e ficou no fundo da gaveta até vir à luz na voz de Messias Holanda. A banda pernambucana (ainda com Silvério Pessoa nos vocais) dá suporte à Zé Ramalho em ‘Eu vou para lua’, lançada por Ary Lobo em 1960 e regravada por Genival Lacerda no ano seguinte.
Independente de ser, ou não, o melhor disco de Zé Ramalho, Nação Nordestina, 20 anos depois, permanece um trabalho irretocável (a produção é de Robertinho do Recife), seja pelo repertório cirurgicamente selecionado, seja pela atualidade das letras e pelo reflexo da condição nordestina, que entra clássico, sai clássico, segue mais-ou-menos o mesmo....Da união...

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