sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A OUSADIA SEM LIMTES DE WALTER FRANCO


                                    
- REVOLVER - 1975: Arranjos imprevisíveis e letras de complexos sentidos em um disco que revolucionou a vanguarda brasileira e entrou para a história da nossa música - 

Walter Franco é um dos artistas mais ousados e experimentadores no campo do rock e MPB.
Na verdade, o grande erro é tentar catalogar a obra de Walter a um gênero específico. Sim, tem o rock que foi levado à intensidade com Respire Fundo (1978) e profusões intensas do baião à psicodelia no também revolucionário Ou Não (1973).Apesar do nome, o segundo álbum de Walter Franco não tem nada a ver com o disco de 1966 dos Beatles. O único paralelo que pode ser traçado: são dois trabalhos que marcaram novas transições em seus respectivos cenários.
Enquanto boa parte dos grupos de rock reprocessavam a influência tropicalista a partir dos anos 1970, Walter Franco seguiu por uma linha ainda mais transgressora. Melodias improváveis em arranjos não menos eletrificados do que Os Mutantes trouxeram; jogos de palavras e sentidos plurais, como se vê no haicai de “Eternamente” (‘Eternamente/É ter na mente/Éter na mente/Eterna mente’); e uma vontade de brincar com gêneros que vão do jazz industrial à batucada funkeira – tudo isso possível de ser escutado em “Partir do Alto/Animal Sentimental”: ‘Foi meu mestre quem me ensinou/Foi teu mestre quem me ensinou’, em mais uma frase retrabalhada com múltiplos sentidos.
“Feito Gente”, que abre Revolver, tem todos os requintes de uma boa Jovem Guarda: os solos de guitarra de Diógenes Burani Digrado são acompanhados por um vocal irritado, sintoma pós-bêbado, a trilha perfeita da decadência sentimental canalizada pela fala de Walter: ‘Feito água/Feito vinho/Eu te amei/Como pude’. (Imagino a reação de Wander Wildner quando se deparou com esta faixa pela primeira vez.)
Pianos jazzísticos de Emílio Carrera e Rodolfo Grani Jr. (responsável pelos complexos arranjos do disco) flertam com o fusion e até samba em “Nothing”, cuja letra (‘nada pra fazer hoje’) é um contraponto a toda profusão sonora. Nesse tédio iminente, Walter aproveita para contemplar a paisagem em “Cena Maravilhosa”, claro flerte com a música indiana de Ravi Shankar com efeitos psicotrópicos que a tornam lisérgica. Típica música para se ouvir chapado admirando as rochas de belas praias.
A faixa-título é mais um dos intrigantes jogos composicionais de Walter. ‘Lembrar de esquecer/Esquecer de lembrar/Cansar de dormir/Dormir, descansar’ é a difícil lição da música. O órgão quase lúdico de Carrera e os sintetizadores de Luiz Paulo formam uma complexa melodia, deixando a canção ainda mais intransponível. Com o passar dos segundos, o ouvinte percebe que Walter está querendo te hipnotizar com aqueles versos. Justamente por não ter um entendimento óbvio, Walter joga a força na repetição, talvez para que o ouvinte pare de ficar vacilando – ou se perca mesmo nesse jogo.
Arriscado afirmar que Revolver é o melhor álbum de Walter Franco, principalmente em um catálogo que inclui Ou Não (1973) e Vela Aberta (1979). Mas é o disco melhor resolvido quando o assunto é complexidade musical.
Um passo a frente (ou para trás?) de uma carreira que já começou de forma não-convencional após as vaias do público diante da apresentação de “Cabeça”, na TV Globo. Ninguém ali entendeu o que ele estava fazendo. E muitos, até hoje, não se esforçam um piu para tanto.
Para isso, Walter responde com a letra de uma faixa: “Apesar de Tudo é Leve”. Ou não
Por Tiago Ferreira......

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