terça-feira, 30 de janeiro de 2018

LITERATURA: Zen-Lunatismo: a religião Beat – Parte I


Durante minha juventude sempre me senti perdido, fugindo de algo que não conhecia. Da primeira vez que toquei em On The Road senti em Kerouac — diferentemente de Belchior e Dylan nos quais tenho uma relação paterna— uma figura de espelho, ao ponto de finalmente me jogar pelas estradas da América Latina no último ano. Da minha identificação fiz parte de meu trabalho como universitário falido, e este trabalho que agora começo a apresentar para vocês, foi caminho para compreender melhor a mim mesmo frente aqueles os quais inspirei e inspiro meus melhores anos.
Assim vi que nomes hoje, mundialmente conhecidos como: Kerouac, Ginsberg e Burroughs não se tornaram famosos apenas por sua forma de escrever. Seus livros apenas expressavam a marca de desprezo e rebeldia pelas instituições políticas e sociais, pelos códigos de conduta social e pela moralidade. Assim se tornaram ícones para uma juventude fruto de um mundo pós-guerra. Esta rebeldia que se expandiu nas consciências de cada beat mudava também a forma do sentido da vida de cada um deles. Desta forma um grupo tão heterogêneo em sua formação, estabeleceu a partir de critérios assistemáticos uma nova forma de vivência religiosa.
Esta série tem como objetivo analisar de forma sistemática os assistemáticos e as influências de correntes místicas e religiosas, em especial o Gnosticismo no estilo de vida, escrita, produção cultural e política da chamada Beat Generation norte-americana. Buscarei compreender como seus membros mais notórios, — em especial Jack Kerouac e Allen Ginsberg — elaboraram uma leitura da gnose e como esta leitura está presente em suas obras.

Parte 1: A Geração Beat: Formação, universo cultural e intelectual.
Os Estados Unidos da América pós-segunda guerra mundial não estava em ascensão apenas na economia. A cultura americana sofria uma forte mudança e o novo “American Way of Life” era apresentado diariamente na mídia, música e moda. Comerciais como os da marca de refrigerante Coca-Cola apresentavam homens e suas lindas famílias felizes. O racionamento de tecido do período da guerra havia acabado e as mulheres caiam de cabeça na compra de vestidos do chamado “New Look” criado por Cristhian Dior em 1947. A ideia de consumo como fator de qualidade de vida era uma máxima para a massa norte-americana. Do outro lado estourava o fenômeno Elvis Presley, que mesmo carregado pela Indústria Cultural da música demonstrava irreverência e rebeldia para uma geração sedenta por identificação. Uma juventude feminina intelectualizada começa a se encontrar em Simone de Beauvoir em seu estudo “O Segundo Sexo” de 1949. Ao lado da consciência consumista, moralista e patriarcal, havia silenciosamente uma fagulha de rebeldia e independência que em 1957 se consolidaria em um incêndio contra cultural.
Enquanto o resto do país olhava para Presley e se dedicavam ao trabalho, uma juventude marginal procurava por experiências de vida, pouco trabalho e a busca por uma vida não padronizada e convencional. Nos pequenos bares das periferias de Nova York o som dominante era jazz. Ritmo que influenciou diretamente na vida de Kerouac, Ginsberg, Borroughs e muitos outros beats. O chamado Jazz Bebop teve seu início em meados da década de 40 e seu auge na década de 50. Charlie Parker, jazzista e saxofonista, músico de destaque no Bebop, caminhando sozinho pelas madrugadas de Nova York. Bêbado, drogado e sem destino estabelecido. Isto pode ser tomado como símbolo de uma parcela da juventude norte-americana do pós-guerra. E característica muito conhecida dos escritores Beats.
Existe uma grande discussão em torno da origem do nome Beat. Uma delas é que foi cunhada sobre a forte influência do Bepop. A outra e talvez mais aceita seja a dada por um de seus participantes mais notórios: Allen Ginsberg e publicado no prefácio de Beat Book. (Ginsberg,1996):
A expressão “beat generation” surgiu em uma conversa específica entre Jack Kerouac e John Clellon Holmes em 1948. Discutiam a natureza das gerações, lembrando o glamour da lost generation (geração perdida), e Kerouac disse “Ah, isso não passa de uma geração beat”. Falavam sobre ser ou não uma “geração encontrada” (como Kerouac ás vezes a denominava) uma “geração angélica”, ou qualquer outro epíteto. Mas Kerouac descartou a questão e disse “geração beat” – não para nomear uma geração, mas para desnomeá-la. (1)
Fato é que não existe uma definição única para a etimologia Beat, ainda mais se tratando de um movimento tão heterogêneo em todos os sentidos. Portanto evadiremos a discussão etimológica e iremos utilizar do termo geral e designatório de sentido apresentado por Ginsberg:
“Movimento literário da geração beat”. Esta frase se refere a um grupo de amigos que trabalham juntos em poesia, prosa e consciência cultural desde meados da década de 1940 até que o termo se tornasse nacionalmente popular no final dos anos 1950. (2)
Allen Ginsberg nunca deixou dúvidas sobre a Geração Beat ter sido um movimento literário. No limite os beats eram um grupo de amigos. E esta amizade entre eles é definitivamente um ponto chave para sua compreensão. Esta amizade sempre foi deixada evidente tanto nas autobiografias quanto nas pesquisas póstumas sobre Kerouac. Em um parâmetro geral três personagens são tidos como núcleo permanente do movimento, Allen Ginsberg, William Burroughs e Jack Kerouac, conhecido como “O Rei dos Beats”. Diversas outras pessoas participaram do movimento que em maior ou menor intensidade deixaram suas marcas na história da contracultura americana, como o herói-protótipo de On The Road, Neal Cassady; o poeta e editor Lawrence Ferlenghetti, dono da City Lights Books responsável pela publicação de diversas obras beats; Gary Snyder, o responsável por uma grande guinada religiosa de Jack Kerouac ao budismo, demonstrado pelo personagem Japhy Ryder na obra de The Dharma Bums de 1958. Outros como Lucien Carr, Gregory Corso, Peter Orlovsky entre tantos, que com suas infinitas particularidades, origens e histórias fazem dos beats um movimento heterogêneo aos extremos. Nessa heterogeneidade coexistiam e se relacionavam católicos, ateus, judeus, budistas, místicos e afins. Filhos da pequena burguesia americana e filhos de imigrantes miseráveis, marxistas e liberais. Extremos é a palavra característica desta geração marcada por usos excessivos de álcool, drogas, de noites intermináveis, licenciosidade sexual e principalmente de uma literatura até então impensável.
Seguiremos uma trajetória mais sistemática da formação do grupo até seu reconhecimento nacional no intuito de conceber suas influências e desdobramentos enquanto movimento. Tomaremos como eixo cronológico Jack Kerouac, deixando de lado algumas partes que consideramos de pouca valia para o desenvolvimento do trabalho. “Em 1944, Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Burroughs se conheceram em Nova York, nada mais seria igual. Nem para eles, nem para o século. ” (3)

Pedro Biaso, do Psicodelizando....

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