domingo, 29 de julho de 2018
AVIAÇÃO AGRÍCOLA: PERIGO NO CÉU E NA TERRA
O SISTEMA DE INFORMAÇÕES DE AGRAVOS E NOTIFICAÇÕES (SINAN) DA PASTA REGISTROU, EM 2017, 13.982 INTOXICAÇÕES POR AGROTÓXICOS NO PAÍS. O NÚMERO REPRESENTA MÉDIA DE 38 CASOS POR DIA E AUMENTO DE 12% EM COMPARAÇÃO AO ANO ANTERIOR. JÁ O SISTEMA DE INFORMAÇÃO SOBRE MORTALIDADE (SIM), TAMBÉM DO MINISTÉRIO, CONTABILIZOU 492 ÓBITOS POR ENVENENAMENTO EM 2016 – OS DADOS DO ANO PASSADO AINDA NÃO ESTÃO CONSOLIDADOS.
No ar ou no chão, ninguém está a salvo quando aviões agrícolas rasgam o céu a mais de 200km/h – e três metros apenas acima do solo. Num vaivém intercalado por acrobacias audazes, essas máquinas despejam em todas as regiões brasileiras uma quantidade incalculável de agrotóxicos.
Quando não consegue se sustentar ou desviar de fiação elétrica e árvores, o invento de Santos Dumont ceifa a vida de pilotos em uma fração de segundo. Ao superarem essas barreiras e cumprirem seu propósito, as aeronaves envenenam rios, solo, plantações, animais e pessoas. Fazem escorrer lágrimas de comunidades inteiras, cujas casas são invadidas pelos produtos pulverizados.
Trata-se de atividade de risco no Brasil. Um perigo tão elevado que motivou uma das principais organizações não governamentais do mundo a recomendar a suspensão da prática no país. Em 20 de julho deste ano, a Human Rights Watch, referência internacional na defesa dos direitos humanos, divulgou relatório no qual alerta para os riscos da pulverização de agrotóxico e do abrandamento das leis nacionais sobre o tema.
Esses números expressivos decorrem da expansão de monocultura em grande escala. Ainda segundo a ONG, cerca de 80% desses produtos são usados em plantações de soja, milho, algodão e cana-de-açúcar. Dos 10 agrotóxicos mais utilizados no Brasil em 2016, quatro não são permitidos na Europa.
Ao recomendar a proibição dos agrotóxicos, a entidade internacional desafia o poderio econômico do agronegócio no Brasil. Alheio à crise econômica que assola o país nos últimos anos, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor cresceu em volume 7,6% em 2017. O dado consta em pesquisa divulgada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e encampada pela Universidade de São Paulo (Esalq/USP). O salto contribuiu para o aumento de 1% do PIB nacional no ano passado e teve papel de destaque no controle da inflação.
Na outra ponta, contudo, entidades defensoras da eliminação dos agrotóxicos – ou “defensivos agrícolas”, como prefere o agronegócio – alertam que tal crescimento representa também mais pessoas intoxicadas pelos produtos químicos lançados sobre as lavouras brasileiras.
Faltam dados confiáveis do governo federal sobre quantos cidadãos sofrem esse tipo de envenenamento, pois há subnotificação de casos e dificuldade em atestar mortes decorrentes de contato com as substâncias. Mas os números do Ministério da Saúde dão uma pista.
A quantidade de desastres na aviação agrícola acompanhou a curva de crescimento do agronegócio e a alta no total de intoxicados. Até junho deste ano, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) computou 22 incidentes, com uma morte. O órgão é ligado à Força Aérea Brasileira (FAB) e registrou, na última década, 240 ocorrências no Brasil – a maioria grave, sendo 54 fatais.
Até agora, os casos de 2018 representam “apenas” 13% do total de acidentes com aeronaves. Porém, em estados onde esse tipo de aviação é mais forte, incidentes aeroagrícolas significam mais de 50% de todas as ocorrências.
Os dados não deixam dúvidas: a atividade é uma das mais perigosas na aviação brasileira. Para pulverizar uma plantação inteira, os pilotos precisam voar em baixa altitude e executar manobras semi-acrobáticas. Profissionais experientes no setor são minoria: a maior parte chega ao mercado, em média, com idades entre 23 e 28 anos, e poucas horas de voo na bagagem.
O Metrópoles visitou três estados onde a aeroagrícola é mais comum – Rio Grande do Sul, São Paulo e Goiás –, com o objetivo de revelar os riscos da atividade para quem a tem por profissão e seu impacto em comunidades próximas às áreas pulverizadas. A reportagem percorreu cerca de 8,5 mil quilômetros (vencidos de avião e carro) e entrevistou mais de 30 pessoas, entre profissionais, representantes de entidades atuantes no setor e moradores de regiões atingidas.
A seguir, relatos de pilotos, fazendeiros e empresários para os quais a atividade ainda é uma aposta, mesmo após eles terem sobrevivido a acidentes graves decorrentes do uso e manejo de agrotóxicos. E o drama de comunidades no interior do país, onde a contaminação faz parte do cotidiano e transforma os moradores em reféns do veneno que cai do céu.
ADRENALINA, VELOCIDADE E RISCO DE MORTE: O DIA A DIA DOS PILOTOS
“O meu menino gostava de aventura. Seguiu voando por aí, achando que nada poderia acontecer com ele. Mas, um dia, aconteceu”. O lamento é do médico Ari Gonçalves Lima, 64 anos. Há nove meses, o obstetra perdeu o filho caçula, Armando Soares de Lima, em um acidente de avião agrícola. Hoje, doutor Ari tenta transformar a dor em alerta, para evitar que outras famílias passem pela mesma tragédia.
Armando morreu aos 35 anos. Tinha esposa e um menino de apenas 4 anos. Natural da cidade de Rio Grande (RS), ainda criança o filho de médico decidiu que queria voar. Tentou fazer tudo certinho. Frequentou faculdade de ciências aeronáuticas, foi instrutor de voo e até piloto de avião comercial. Mas, em março de 2017, resolveu mudar o foco da carreira e fez um curso para comandar aeronaves agrícolas.
Esses aviões são usados em grande escala nas fazendas do interior do Brasil para espalhar agrotóxicos e outros produtos nas plantações. Em 24 de outubro do ano passado, em Altamira (PA), Armando entrou em um Cessna Aircraft, modelo A188B, sem ter noção do risco que corria.
Armando não possuía vínculo empregatício com a firma que lhe encomendou o voo, mas mantinha todas as licenças exigidas pela Anac em dia. O acidente fatal ocorreu após o piloto executar uma curva. A aeronave tentou retomar seu curso, mas, ainda de acordo com o Cenipa, “perdeu sustentação e caiu verticalmente, girando de forma descontrolada”. O avião pegou fogo, ficou totalmente destruído e Armando Lima morreu antes de qualquer socorro chegar ao local do desastre.
“A sorte não está sempre do lado da gente, uma hora ela vira”, resigna-se o pai do piloto. Infelizmente, a triste história de Armando e sua família não é a única nas mais de sete décadas da aviação agrícola em território brasileiro. Pelo contrário. Em estados onde o segmento é mais forte, tragédias assim chegam a representar mais da metade do total de acidentes aéreos registrado.
Por Douglas Carvalho e Larissa Rodrigues, do Metrópoles.......
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