
Bem mais do que um simples “passeio” pelo passado, ouvir determinados discos como “Astral Weeks” que Van Morrison gravou em 1968, é garantir um mergulho pelos labirintos intrincados da nossa mente, até encontrar o merecido repouso espiritual. Este é disco muito especial para mim e é claro, para muita gente esparramada pelo planeta . Trata-se do primeiro grande disco de Van Morrison, um dos meus grandes ídolos. Astral Weeks possui uma história tão singular quanto a música que dele sai e que o faz disco de cabeceira de artistas do nível de Bob Dylan, entre outros e possibilita uma visão mais apurada da arte desse genial e genioso músico irlandês...
Falar de Astral Weeks é falar de uma obra-prima que vira e mexe aparece entre os 5 melhores discos da história em qualquer lista dos melhores de todos os tempos. Se você perde tempo com essa bobagem de listas, pode conferir e verá que estou certo. Agora essa preciosidade incrível está fazendo 50 anos e o seu charme e importância permanecem intactos, comovendo e encantando as pessoas.
O disco significa uma virada na carreira de Van Morrison. Após deixar o Them e tentar a carreira na América, acabou fazendo um imenso sucesso com "Brown-Eyed Girl". Essa canção, gravada pelo pequeno selo Bang Records é uma das mais odiadas pelo próprio cantor, por tudo que ela representa. Vamos à longa história...
Van Morrison chegou à Nova York trazido pelo dono do selo, Bert Berns, que havia escrito entre outras músicas, "Here Comes the Night", gravada pelo próprio Them.
A convivência dele com Van tornou-se um imenso problema e os dois acabaram rompendo a parceria, já que o produtor queria que ele produzisse compactos de sucesso, o que desgostava o pequeno gênio irlandês. Porém, Van tinha um contrato com o selo e Berns não o queria liberar.
A situação agravou-se muito mais quando Berns morreu de um ataque cardíaco, no dia 30 de dezembro de 1967. Ilene Berns, viúva, culpou a Van pelo ocorrido e jurou que infernizaria sua vida, promessa que cumpriu à perfeição.
Como tinha o contrato em vigência, Ilene conseguiu manter Van não apenas fora dos estúdios, como o proibiu legalmente de fazer qualquer apresentação nos clubes de Nova York. A situação se tornou mais dramática quando ela descobriu que Van estava ilegalmente em Nova York e o denunciou para que fosse deportado. Esse último incidente acabou sendo superado com o casamento às pressas com sua então namorada, Janet Planet.
Após se casarem, o casal acabou indo para Cambridge, Massachusetts, onde Van poderia realizar alguns shows para sobreviverem. Van começou a tocar com estudantes locais, e no final acabou amigo do baixista Tom Kielbania, com quem montou um duo acústico.
Tom acabou conhecendo o flautista John Payne e agora o duo era um trio. Após quatro meses tocando, Van Morrison foi contatado pela Warner Bros, que queria adquirir seu passe, motivado pelo imenso sucesso de "Brown-Eyed Girl".
À essa época, a Warner tinha negócio com a Inherit Productions, ligada à Schwaid-Merenstein, fundada por Bob Schwaid e Lewis Merenstein. Merenstein foi quem tentou convencer Van a assinar, equanto Bob tentava livrá-lo do contrato com a Bang Records.
O contrato com a Bang poderia deixá-lo preso para sempre não fosse um enorme esforço para tentar quebrar o acordo. E que acordo!
Para se livrar da Bang, Van foi obrigado a gravar 36 músicas novas para o selo, o que foi feito, incrivelmente, em apenas um dia, sendo basicamente canções com voz e violão. Além disso, Van teria que ceder metade dos seus direitos autorais de qualquer compacto que lançasse até 12 de setembro de 1968 à Web IV (editora de Berns).
A Warner não gostou dessa idéia e rejeitou lançar algo do cantor no período. A situação só foi contornada quando Van concordou em ceder o direito de duas novas composições que posteriormente entrariam em Astral Weeks: "Madame George" e "Beside You".
Livre das amarras legais, Van Morrison entrou novamente em estúdio no dia 25 de setembro, pela primeira vez. Astral Weeks seria gravado em apenas três sessões: além dessa, outra que ocorreu no dia 1º de outubro e mais uma no dia 15 do mesmo mês, do ano de 1968.
Após deixar claro que não queria fazer discos pops e sim uma obra muito mais delicada, acústica, Lewis Merenstein saiu à cata de bons músicos. Segundo ele, Van conhecia e gostava de R&B, soul, mas não de jazz. E o que Van queria estava mais perto do jazz e por isso o produtor chamou o experiente baixista Richard Davis. Também acabou convidando o guitarrista Jay Berliner, o percussionista Warren Smith Jr. e o baterista Connie Kay, que fazia parte do Modern Jazz Quartet. Além deles, participaram o guitarrista Barry Kornfeld, em "The Way Young Lovers Do" e o antigo companheiro John Payne, também tocando sax soprano, além de flauta. Van ficaria nos teclados, violão e sax.
Van começou ensaiando as canções no violão e com a presença de Richard Davis, que aprendeu todas as linhas de baixo com Kielbania, que não participou das gravações.
Davis foi fundamental para o disco segundo Merenstein: "se você ouvir o disco verá que o baixo é o condutor do disco. Todos o seguem". Os músicos não gostaram muito do cantor, especialmente porque ficava quieto em seu canto, quase sem conversar. Sequer foram apresentados formalmente. "Ele era um estranho total e mantive a postura 'sem pagamento, sem trabalho' na época. Van não tinha muita idéia de como trabalhar e queria que nós 'improvisássemos'. Tive que explicar a ele que para improvisar como ele queria, precisávamos ter alguma base para podermos nos basear e que aí sim, o improviso pode nascer livremente", conta Davis.
Na primeira sessão, de 25 de setembro, quatro canções foram gravadas: as três inicialmente previstas - "Cyprus Avenue," "Madame George," e "Beside You." - e a faixa-título.
Como Payne não podia comparecer à primeira sessão, foi substituído por um músico jamais creditado, já que ninguém se lembrava de seu nome. Payne só apareceu na faixa-título quando Van queria tentar mais uma canção nova e após ter implorado ao produtor, irritado com sua ausência.
A segunda sessão foi frustrante, pois os músicos não conseguiam criar o clima ideal para as gravações. O restante do disco acabou sendo gravado na terceira e última sessão, no dia 15 de outubro. Inicialmente, seriam gravadas apenas "Sweet Thing" e "Ballerina", mas eles passaram muito tempo arrumado uma nova composição.
Van tentou várias canções até se fixarem em "Slim Slow Slider". "Ele era maluco e chegou com um caderno grosso cheio de letras e nem sei como ele decidiu por essa e foi um sucesso", relembra Payne.
As outras duas do dia foram "Madame George", que Van nega ser sobre um travesti como se foi especulado, e "Cyprus Avenue", essa última a favorita do cantor e de fãs nos shows futuros. "Cyprus Avenue" fala de uma rua de Belfast. Van conta que as duas foram escritas utilizando a técnica do "fluxo de consciência", imortalizada no livro Ulysses, do também irlandês James Joyce.
Merenstein teve muito trabalho para editar o disco e diminuir os improvisos e temia que o álbum fosse um tremendo fracasso de vendas, medo parcialmente explicável e que, de fato, aconteceu.
Astral Weeks teve esse título em uma história curiosa: segundo Van, ele estava com a frase "If I venture down the slipstream" na cabeça quando foi visitar seu colega, o pintor irlandês Cezil McCartney que tinha um quadro chamado 'Astral Weeks'. Ele gostou do título e se apropriou dele. Mas, o próprio pintor nega essa versão: "existiam vários quadros no meu estúdio e Van olhou para um e sugeriu o nome para um deles."
O disco saiu com as seguintes músicas:
Lado A
1. "Astral Weeks" – 7:00
2. "Beside You" – 5:10
3. "Sweet Thing" – 4:10
4. "Cyprus Avenue" – 6:50
Lado B
1. "The Way Young Lovers Do" – 3:10
2. "Madame George" – 9:25
3. "Ballerina" – 7:00
4. "Slim Slow Slider" – 3:20
Apesar das vendagens modestas, o disco seria aclamado como um clássico e ao longo dos anos seria influência direta para gente como Elvis Costello, Sting, entre outros e daria a Van Morrison uma credibilidade que o manteria no ápice da carreira por vários anos.
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