segunda-feira, 21 de maio de 2018

Novo disco de Lenine, 'Em trânsito', fala de egos e intolerância


      
- O álbum fala também da necessidade da criação coletiva para sobreviver aos tempos atuais -

Trata de intolerância a música escolhida por Lenine para ser a bandeira de seu novo disco, Em trânsito. O cantor e compositor conta que se sente meio cronista e, por isso, não podia ficar indiferente ao momento contemporâneo. “Nesse sentido, o que me move, o que me incomoda termina sendo a matéria que faço as canções”, avisa. “O fato de a canção single do projeto ser Intolerância não é gratuito. Ela está sendo a vedete do momento, em todos os universos você vê a intolerância como porta-voz de tudo.”
Em trânsito, Lenine admite, é um disco meio cinzento e revela um pouco como o próprio músico se sente hoje no mundo. “É o transitório, o transitivo, o fato de estar aqui no caminho, sem a menor ideia do que há à frente. Também não tou olhando pra trás, e tem essa coisa da urgência, da violência”, explica. Como ele avisa em Sublinhe e revele: “o tom é grave e o tempo é breve”. Há, segundo o músico, uma urgência no ar quando se trata de falar de certas coisas e, conforme pede na letra da canção, não podemos nos dar o luxo de relevar.
Um certo ar de desesperança pairou sobre toda a concepção de Em trânsito, mas há momentos de muita ternura e afeto. São como pequenos respiros soltados por músicas como Leve e suave, que abre o disco e o show, em um anúncio enganoso de que a leveza está no ar, e Lua candeia, parceria com Paulo César Pinheiro e tocada com Amaro Freitas ao piano. Mas o ouvinte não deve se iludir, porque logo em seguida há Umbigo, com versos como “Gosto muito de conversar comigo/Umbigo meu nome é espelho/Não dou ouvidos nem peço conselhos/Umbigo meu nome é certeza”. Sinal dos tempos.
Em trânsito fez um percurso inverso do tradicional no mercado da música. Lenine montou primeiro o show, apresentado em janeiro para um grupo pequeno de amigos e patrocinadores no Imperator, no Rio de Janeiro. A apresentação foi gravada para dar origem a um DVD e, graças a uma parceria com o Canal Brasil, haverá também um documentário. Os singles, o clipe de Intolerância e o disco vieram na sequência.
Foi uma maneira de evitar o sentimento de repetição que vinha atormentando o compositor. “Eu sofria com o lance da mecânica do fazer. Isso passava forçosamente por essa sensação de estar repetindo formas. E o Em trânsito carrega um pouco dessa novidade que foi subverter a ordem das coisas”, diz. Também carrega uma pegada rock mais acentuada que em discos anteriores e uma noção de banda fundamental para o projeto.
Na verdade, um processo, como o pernambucano gosta de frisar. O foco na assinatura coletiva que tem o filho do músico, Bruno Giorgi, e JR Tostoi nas guitarras, Guila no baixo, Pantico Rocha no sintetizador e participações de Amaro Freitas (piano), Carlos Malta (saxofone) e Gabriel Ventura (guitarra), Lenine acredita, deu liga à ideia de projeto coletivo. “Tenho certeza que é o meu projeto mais de banda. E só pudemos fazer isso por causa da intimidade, por causa do afeto”, garante.
Outro detalhe na confecção de Em trânsito foi a maneira como Lenine apresentou as músicas para a banda, sem o violão, apenas com as letras e melodias. O músico nunca havia experimentado essa fórmula e gostou do resultado. O violão está sempre muito associado à produção do pernambucano e ele achou que os músicos ficariam mais livres se deixasse o instrumento de lado num primeiro momento. “Eu queria procurar outro caminho. E pra mim era novidade. Era uma maneira de exorcizar`´ um pouquinho”, brinca.
Entre as 10 faixas do disco, três não são inéditas — Virou areia, Lá vem a cidade e De onde vem a canção —, mas ganharam novos arranjos e novos significados na sequência escolhida por Lenine. Essas faixas dialogam com o sentimento que motiva Em trânsito, especialmente De onde vem a canção, na qual o pernambucano reflete sobre a criação e o destino das músicas, e Lá vem a cidade, pautada por versos carregados de tragédias anunciadas.
Se discos como O dia em que faremos contato, Falange canibal e Na pressão, assim como Labiata, Chão e Carbono, como aponta João Cavalcanti, filho do compositor, no texto de apresentação do disco, Em trânsito é como se fosse uma síntese. “Fazendo uma analogia com literatura, eu diria que a primeira trilogia são coletâneas de contos. A partir do Labiata, mudei esse foco e não mais frequentei o baú das canções que havia composto. Passei a procurar um romance sonoro, isso significava primeiro um título, um relevo sonoro, e só então, como capítulos de um livro, eu ia criando canção por canção”, conta. Pois o romance sonoro de Lenine é também uma boa crônica contemporânea.
Por Nahima Maciel....

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