segunda-feira, 14 de maio de 2018

Despreparado, país deverá ser alvo fácil para ações de fake news

















- Mesmo com o poder das notícias falsas verificado em eleições e plebiscitos internacionais, o Brasil se prepara mal para enfrentar mercenários nas redes. A partir de depoimentos de investigadores e entrevistas com policiais e procuradores, fica claro as dificuldades na defesa da democracia e os bastidores de ações ainda pouco efetivas de proteção contra ataques durante a campanha -
 “Desligue sua mente, relaxe e flutue correnteza abaixo”
 A primeira frase de Tomorrow never knows, dos Beatles, ainda espoca na cabeça do perito criminal R.S.. Assim como na música de Lennon e McCartney, a mente deve estar desligada de tudo, apenas focada na investigação. É o que acredita o homem com pouco mais de 35 anos, um especialista no combate a crimes cibernéticos. E, naquele dia, há pouco mais de cinco anos, R.S. tinha em mãos um caso intrincado envolvendo ameaças a uma autoridade da República.
 A primeira tarefa de R.S. era descobrir o IP, o tal do endereço de protocolo de internet, que ligaria o e-mail criminoso a um computador. Até ali, tudo parecia fácil demais. A própria empresa de correio eletrônico forneceu os dados depois de um pedido formal da Justiça. O mapa levava investigadores a um estabelecimento comercial na periferia de Brasília, onde funcionava uma lan house, aquelas casas que se tornaram uma febre no início dos anos 2000, antes de os celulares fazerem o que fazem hoje.
“Logo você vai entender o significado do que está dentro”Tomorrow never knows é a última faixa do disco Revolver, lançado em 1966, e R.S. é fascinado pela mistura de efeitos inéditos criados em estúdio pelos engenheiros de gravação, comandados por George Martin, em conjunto com Lennon e McCartney. Ponto. Na lan house, começava a tarefa mais difícil de R.S.. Achar, no meio de várias máquinas, aquela que cuspiu o e-mail com as ameaças. Uma operação de tentativa e erro, até que fragmentos de transferências de arquivos de um dos computadores levaram a pistas e, por fim, a provas. O criminoso havia cometido um erro básico ao buscar, na mesma máquina que fez as ameaças, um processo anterior em que era acusado pela autoridade da República. Ao ligar os dois casos, bingo. Trabalho encerrado.
Crimes
O sucesso de investigações como a de R.S. e a especialização de agentes e peritos em crimes cibernéticos ao longo dos últimos 10 anos — como os casos contra o sistema financeiro e de pedofilia — é o único alento para o maior desafio do Estado nas eleições: o ataque dos produtores de fake news com base nos impulsionadores de conteúdo nas redes sociais. Os casos resolvidos e denunciados até agora são de um amadorismo atroz do lado dos autores das fake news. É como se um delinquente deixasse no local do crime a própria carteira, com nome, endereço, CPF e foto. Veja, por exemplo, o caso envolvendo o deputado federal Chico Lopes (PCdoB-CE). Em 27 de março, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, denunciou Lopes e outras duas pessoas por crime eleitoral. O amadorismo do trio ficou evidente pelos rastros deixados ao longo da produção de uma notícia falsa.
 O Correio procurou a assessoria de Lopes, deixando telefones para contato, mas não recebeu resposta nas últimas duas semanas. A partir da própria denúncia de Dodge, porém, é possível fazer a reconstituição do crime, segundo o Ministério Público. Durante a campanha de 2016, o trio acusado teria difamado o prefeito de Santos (SP), Paulo Alexandre Barbosa, para favorecer a candidata Carina Vitral, do mesmo partido de Lopes. A partir da fabricação de um site, o Caiçara revoltado, “foram imputados a Barbosa fatos ofensivos a sua reputação”. As fake news eram impulsionadas no Facebook. Uma delas, citada na denúncia, dizia que o prefeito tinha um caso com o ator Alexandre Frota.
 Ao quebrar os dados telemáticos da página de notícias falsas, os investigadores chegaram a um assessor e a um publicitário ligados a Chico Lopes. Pelo menos dois IPs que davam acesso à página estavam vinculados à Câmara dos Deputados, expondo o amadorismo do trio. A trapalhada foi ainda maior. Para impulsionar a fake news nas redes sociais, o grupo fez 12 pagamentos ao Facebook, todos com cartões de crédito com os nomes deles mesmos. Naquele caso, as fake news não tiveram poder para influenciar a campanha. Barbosa acabou reeleito e Carina ficou em segundo lugar. Chico Lopes e os dois acusados foram obrigados a pagar indenização de 100 salários mínimos ao prefeito e cerca de R$ 30 mil a uma instituição de caridade, a Casa de Ismael, na Asa Norte, em Brasília.
 O jogo das farsas
Durante a Segunda Guerra, no início dos anos 1940, os aliados criaram um exército falso, “comandado” pelo general norte-americano George Smith Patton Jr. A tentativa era despistar os nazistas, chamando a atenção para Pas-de-Calais, na França, quando, na verdade, a estratégia era invadir o território inimigo pela Normandia. Nas proximidades de Dover, do outro lado do canal na Inglaterra, foram feitas algumas encenações, a partir de equipamentos falsos, manequins representando soldados, comunicações trocadas e agentes duplos.
Um dos problemas no combate às fake news por aqui está na legislação brasileira. São poucas formas de punir os autores de notícias falsas, algumas com mais de 30 anos de vigência. O Código Eleitoral, que trata da divulgação de informações inverídicas, é da década de 1960, o Penal, que prevê os crimes de injúria, calúnia e difamação, dos anos 1940. E a Lei de Segurança Nacional, de 1980, por fim, prevê punições para quem difundir boatos que causem pânico. “A discussão no Brasil é feita pelo ângulo errado. O maior problema se chama impulsionamento de conteúdo”, afirmou o promotor. Com a minirreforma política no ano passado, o Brasil permitiu o impulsionamento por parte de políticos e coligações. Mas não há qualquer regulação efetiva.
 “A partir do que se viu até agora, o TSE não baixou nenhuma resolução nesse sentido”, criticou o promotor. O Correio entrou em contato com a assessoria do presidente do tribunal, ministro Luiz Fux. A resposta foi que a fonte para falar sobre notícias falsas na Corte era o próprio Fux, mas, após o primeiro contato, na segunda-feira, o magistrado não tinha disponibilidade de agenda. Uma nova tentativa foi feita na tarde de sexta-feira, também sem sucesso. Sobre a política de impulsionamentos, o Facebook deve estrear no Brasil antes das eleições, em junho, um recurso chamado “exibir anúncios”, que permitirá ver todas as publicidades que estão sendo feitas por uma página, mesmo que ela não apareça no feed de notícias do usuário.
 No mesmo mês de junho, o Facebook planeja lançar um arquivo de anúncios políticos para pesquisa pública. A intenção, além de mostrar texto e imagem, é apresentar valores gastos e as informações demográficas do público-alvo de cada anúncio. Em resposta aos questionamentos do Correio sobre a política oficial de impulsionamento, o Facebook enviou a seguinte nota: “Estamos comprometidos em aumentar a transparência dos anúncios políticos em todo o mundo, inclusive no Brasil, e temos anunciado medidas concretas para dar mais informação às pessoas sobre os anúncios que elas veem. Também estamos cooperando com autoridades eleitorais sobre temas relacionados à segurança on-line.” (LC). Por Leonardo Cavalcanti – Correio Braziliense..

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