
Ao contrário do que muitos pensam, a artista brasileira com carreira musical mais bem-sucedida no exterior é a carioca Flora Purim.
Aos 74 anos, morando entre os Estados Unidos e a Europa desde 1967, ela já gravou e cantou com estrelas do jazz – como Thelonious Monk, Dizzie Guillespie, Chick Corea e Guil Evans –, é freqüentadora das listas da Billboard e vencedora de dois Grammy (ambos em 1992).
Nada mal para quem chegou a Nova York com apenas 22 anos e cantou em clubes em troca de um prato de comida. Em poucos anos, Flora ganhou notoriedade no meio jazzístico e se tornou cantora de prestígio. No auge, a artista se viu envolvida em uma história que marcaria sua vida. “Estava comprando cocaína quando a polícia chegou e prendeu todo mundo. Eles queriam que eu denunciasse os traficantes, mas se fizesse isso, estaria perdida. Fiquei calada e sofri as conseqüências.”
DOIS ANOS NA PRISÃO Naqueles loucos anos 70, o ato irresponsável da jovem rendeu-lhe dois anos de prisão. Flora só não foi deportada porque o que parecia ser o fim de sua promissora carreira acabou mobilizando fãs e jornalistas. Enquanto estava presa, ela foi eleita a melhor cantora de jazz por quatro vezes pela badalada revista Down Beat Magazine. “Quando fui dar depoimento, o policial abriu a gaveta e mostrou que tinha todos os meus discos”, conta.
Ela foi capa de revistas e assunto de várias reportagens: “Essa história afetou muito a minha vida, hoje não afeta mais. Estava no lugar errado, fazendo a coisa errada e me dei mal. Achei que o mundo tinha acabado.” Hoje, madura e com a aura tranqüila de uma ex-hippie, ela diz que não precisa mais de drogas. “Para ficar louca, basta subir ao palco ou escutar um piano.”
A paixão pelo palco é antiga. Foi no auge da bossa nova que Flora começou a cantar nas noites cariocas e paulistas. Um dia, após uma apresentação, um admirador lhe perguntou qual era seu maior sonho. Flora comentou que sonhava em ir aos Estados Unidos ver os ídolos Miles Daves e Bill Evans. O fã, um empresário desconhecido, não lhe disse nada. Três dias depois, ela receberia passagens de ida e volta para Nova York. “Mas eu só usei a de ida”, lembra.
SUA HISTÓRIA
Cantora brasileira, Flora Purim nasceu no dia 6 de março de 1942, no Riode Janeiro, no Brasil. Filha de um emigrante russo, tocador de violino, e deuma pianista brasileira, a música sempre marcou a sua vida. Ainda antes dapartida da família para o exterior do Brasil, fugindo à repressão de umregime político militar que não coexistia bem com a comunidade artística,a jovem Flora já havia aprendido guitarra e piano e desenvolvido as suascompetências vocais. Quando chega a Nova Iorque, em 1967, com o marido Airto Moreira, as suas aptidões vocais fazem furor junto dosnotáveis do jazz americano, caindo nas graças do compositor e pianistaDuke Pearson. Ele seria o primeiro músico americano a convidar FloraPurim para cantar ao seu lado, em palco e em estúdio. É contudo nacompanhia de Gil Evans, o maestro canadiano radicado na Califórnia, que a cantora vai atingir outro nível. Com um carácter inspirador e de notávelexigência, Evans consegue dar-lhe outras dimensões e perspetivas, numabem-sucedida digressão com Flora pelos mais significativos clubes de jazzda época. Além disso, a série de concertos apresentou Flora Purim aospúblicos americanos e, aos poucos, ela tornou-se uma das vocalistas mais requisitadas e respeitadas no meio artístico americano. Com a reputaçãoem alta, Flora viria a trabalhar com o pianista Chick Corea e o saxofonista-tenor Stan Getz, integrando um novo movimento de jazz fusão . Partedessa vaga de fundo seria representada por dois registos clássicos, em queo nome de Flora surge ao lado dos de Chick Corea, Stanley Clarke e JoeFarrell: Return to Forever (1971) e Light as a Feather (1972), ainda hojeconsiderados álbuns referenciais no desenvolvimento do jazz moderno e de fusão de estilos. Depois dessas edições, Chick Corea decidiu aprofundaro conceito experimental e elétrico e, em virtude de defenderem outrocaminho, Airto Moreira e Flora Purim tomam um rumo artístico diferente.Airto, pouco depois, tocava ao lado de Miles Davis, ainda antes de fundaros míticos Weather Report. Flora Purim, por seu lado, editaria o primeiroálbum a título individual, em 1974. Logo nesse ano, no seguimento desselançamento, a prestigiada Downbeat Magazine considerá-la-ia uma dascinco melhores vocalistas jazz do ano.
Com nome feito no início da década de setenta, a cantora viria a colaborarem diversas edições de outros músicos, destacando-se o seu contributoem discos de Carlos Santana, Hermeto Pascoal, Gil Evans, Chick Corea e Michey Hart. Retomaria a parceria artística com o marido já na década de80, gravando com Airto dois álbuns para a Concord ( Humble People e TheMagicians ). Em ambos os casos, Flora Purim seria nomeada para osGrammy. O prémio chegar-lhe-ia mais tarde, em 1992, pela participaçãovocal em dois álbuns premiados: Planet Drum , do baterista Mickey Hart,ex-Grateful Dead, e United Nations Orchestra , de Dizzy Gillespie.
O início da década de noventa marcou uma fase nova para Flora Purim.Com o marido, Airto, e o guitarrista/teclista José Neto, fundou uma bandade jazz latino, os Fourth World, em 1991. Numerosas atuações do coletivoe o compromisso com a editora britânica B&W Music levariam o nome deFlora ao mercado britânico e a colaborações pontuais com os produtoresGilles Peterson e Patrick Forge. Graças ao conhecimento destes, tantoAirto como Flora Purim, participam em edições discográficas relevantes naépoca, como o álbum Supernatural Feeling (1993), do quarteto JamesTaylor ou Listen (1994), dos Urban Species. Em 1995, a cantora protagonizauma extensa digressão internacional, sempre na companhia do marido e mantendo a colaboração do guitarrista José Neto. As constantes viagensnão impediram, contudo, a continuação da atividade de estúdio de FloraPurim. Speed of Light , editado em 1995, contava com uma longa lista deconvidados especiais, entre os quais se destacavam alguns nomesrelevantes do jazz contemporâneo, como Billy Cobham, Freddie Ravel,George Duke, David Zeiher, Walfredo Reyes, Alphonso Johnson,Changuito, Freddie Santiago e Giovanni Hidalgo. O registo mostrava umsom moderno, adaptado às novas realidades dos anos noventa,distanciando Flora Purim do início de carreira marcado peloexperimentalismo, com Chick Corea. A partir daqui, sendo associada àstendências mais modernas do som, Flora dá passos firmes, solidificando o seu estatuto de cantora. Em 2002, ela e Airto Moreira são agraciados coma Ordem do Rio Branco, uma das mais importantes distinções do Estadobrasileiro, atribuída pelo presidente de então, Fernando HenriqueCardoso. Era o reconhecimento oficial do trabalho de Flora em prol dapromoção do Brasil e da divulgação da sua cultura além fronteiras.
Flora Purim nos dias de hoje segue com o seu talento arrebatador, gravando ótimos discos e encantando o público de todo mundo. Enfim, monstruosa. Afinal trata-se de uma das mais respeitadas estrelas do jazz nos últimos 50 anos, o que convenhamos não é para qualquer uma.
Nenhum comentário:
Postar um comentário