quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

ENCONTRO INUSITADO..


                                   
Esta é uma cena bastante interessante: Manoel de Barros, o “entortador de palavras” dividindo o seu banco, sob uma frondosa árvore na Avenida Afonso Pena, em Campo Grande, com um mendigo. O morador de rua, que chegou sem ser convidado, se instalou e foi fazendo do espaço criado para o Manoel, um local para ele dormir, afinal a vida pelo visto não tem sida justa com ele e quem sabe, umas horas de convívio com o nosso grande poeta, podem ao menos momentaneamente, aliviar a sua triste rotina.
Esse encontro inusitado trouxe a tona um dos maravilhosos poemas de Manoel de Barros..

O apanhador de desperdícios
Manoel de Barros

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.


MAOEL DE BARROS – FOTO CARLOS VERA


Nenhum comentário:

Postar um comentário